Câncer de mama

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O câncer de mama constitui um problema de saúde pública em escala global. Compreende uma doença heterogênea com subtipos biológicos que diferem nas características anatomopatológicas, prognósticas e de sensibilidade ao tratamento.

Com exceção do câncer de pele não melanoma, o câncer de mama é a neoplasia mais incidente no mundo, correspondendo a 11,7% de todas as neoplasias em 2020. Na população feminina também compõe a principal causa de mortalidade tanto em países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento.

No Brasil, para o triênio 2023-2025, estima-se 73.610 casos, correspondendo a um risco de 66,54 casos novos a cada 100 mil mulheres. É o câncer mais incidente entra as mulheres de todas as regiões do país, sendo o maior risco observado no Sudeste com 84,46 casos por 100 mil mulheres, seguido da região Sul, Centro Oeste, Nordeste e, por último, a região Norte com 24,99 casos novos por 100 mil mulheres. As taxas de incidência mundial estão crescendo em países de baixo e médio desenvolvimento, provavelmente pelas mudanças no comportamento e estilo de vida, envelhecimento populacional e difusão do rastreamento mamográfico.

A maior parte dos casos de neoplasia maligna da mama são esporádicos. No entanto, estima-se que 5-10% resultem de alterações genéticas hereditárias. Essas mutações conferem ao seu portador elevada probabilidade de desenvolver câncer e de transmitir à sua prole esse gene alterado, bem como de apresentar tumores em outras topografias. A identificação dessas mutações permite uma avaliação apropriada do paciente permitindo um planejamento de seguimento e tratamento individualizados. A síndrome genética mais prevalente com relação ao câncer de mama é a síndrome de câncer hereditário de mama e ovário, que apresenta gene BRCA1 ou BRCA2 mutado. Essa mutação predispõe a um risco de quase 90% de desenvolver CM até os 70 anos.

Os fatores de risco para câncer de mama podem ser não modificáveis como gênero feminino, idade acima dos 50 anos, menarca precoce (antes dos 12 anos), menopausa tardia (acima dos 55 anos), nuliparidade, mamas densas, radiação torácica prévia e fatores genéticos; ou podem ser fatores modificáveis como dieta, hábitos de vida como a prática de exercícios físicos, ingestão de álcool ou de tabaco, uso de terapia de reposição hormonal ou anticoncepcional oral combinado, sobrepeso ou obesidade. O controle dos fatores de risco modificáveis pode reduzir o risco de desenvolver o CM em até 30%.

O câncer de mama pode ser classificado de acordo com sua origem histológica e molecular. A maioria dos tumores epiteliais se desenvolvem nos ductos e lóbulos e podem ser in situ ou invasor.

O carcinoma in situ é uma proliferação das células neoplásicas sem ultrapassar a membrana basal. Cerca de 85% dos carcinomas in situ são de origem ductal (CDIS) geralmente detectado em exame de imagem podendo acometer pequena ou extensa área da mama.

O carcinoma invasivo do tipo não especial (SOE), antigo carcinoma ductal invasivo, é o tipo histológico mais prevalente, que corresponde a 40-70% dos casos. Na sequência temos o Carcinoma Lobular Infiltrativo em 5-15% dos casos. As formas histológicas raras incluem carcinomas medulares, metaplásicos, mucinosos e tubulares.

A classificação molecular está relacionada a identificação de receptores na superfície celular, que estão diretamente relacionados à patogênese do tumor. Em 70% dos carcinomas infiltrantes temos expressão positiva de estrogênio e progesterona, em 15-30% a superexpressão de HER2 e 15% não expressam esses receptores em sua superfície, ou seja, são triplos negativos. A classificação molecular do câncer de mama se divide em cinco subgrupos (luminal A, luminal B, HER2 +, triplo negativo ou basal like e normal like). Essa classificação, em conjunto com o tipo histológico, auxilia no manejo mais efetivo do paciente, permitindo um tratamento personalizado com maior eficácia.

O principal sinal clínico de câncer de mama é a palpação de um nódulo na mama. Isso pode ser evidenciado pela paciente ou por um profissional de saúde. Além disso a paciente pode queixar de descarga papilar hemorrágica ou cristalina e alterações na pele da mama ou mesmo no mamilo.

Uma vez identificada uma lesão mamária suspeita, um diagnóstico tecidual é necessário. Isso pode ser feito através de biópsia. A biópsia percutânea com agulha grossa (CORE BIOPSY) é o método de escolha para a maior parte das lesões nodulares, especialmente se palpáveis ou identificadas por ultrassom. É uma biopsia ambulatorial, realizada com anestesia local, guiada por ultrassom ou mamografia. Possibilita avaliar tipo histológico e molecular e auxilia no planejamento terapêutico pré-operatório.  A biópsia percutânea assistida à vácuo (mamotomia) permite a remoção de mais volume de tecido do que a core biopsy. É método padrão ouro para investigação de microcalcificações agrupadas suspeita.

Clipes podem ser colocados no leito da biópsia para posterior identificação, especialmente se a lesão inicial era pequena ou se a paciente irá realizar tratamento neoadjuvante. A biopsia cirúrgica deve ser realizada apenas se a biópsia por agulha (guiada por palpação ou imagem) não estiver disponível ou, se mesmo com técnica adequada, existir risco de subestimação do resultado.

Uma vez confirmado o diagnóstico de câncer de mama essa paciente necessita ser avaliada por um mastologista. O estadiamento inicial é clínico onde avaliamos o comprometimento mamário: tamanho da lesão, comprometimento de pele, do complexo aréolo papilar (CAP), da parede torácica e avaliação de comprometimento de linfonodos axilares e de cadeias linfonodais supra e infraclavicular.

A avaliação sistêmica é orientada pelos principais sítios de metástase: cintilografia óssea, tomografia de tórax e de abdome superior. Em alguns casos topografia de crânio se faz necessário.

O tratamento do câncer de mama é multimodal podendo ser dividido em local e sistêmico. O tratamento local é o cirúrgico e radioterápico enquanto o sistêmico é a quimioterapia neoadjuvante ou adjuvante, a hormonioterapia e imunoterapia/terapia-alvo.

O câncer de mama é uma patologia com alta incidência e prevalência, com importante impacto socioeconômico e que ainda apresenta inúmeros desafios no seu manejo. Conscientizar a população alvo a sobre o rastreamento adequado e um diagnóstico precoce é ponto chave para um desfecho favorável.

Rastreamento Para o Câncer de Mama

A paciente com câncer de mama pode ser identificada por 2 caminhos: frente um quadro clínico suspeito ou durante um exame de rastreamento.

Visto a importância e impacto que essa patologia tem sobre a sociedade atual, o rastreamento mamário é a principal estratégia para um diagnóstico precoce, permitindo maior chance de cura. A política de rastreamento envolve a aplicação sistemática de um teste triagem em uma população assintomática (mamografia), a fim de detectar e tratar a patologia em seu estágio pré-clínico.

O autoexame não é recomendado como técnica de rastreamento frente a sua baixa eficácia. Pode ser indicado como estratégia de conscientização da mulher sobre seu próprio corpo.

O exame clínico feito por um profissional habilitado é recomendado pela Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) para mulheres de 40-74 anos anualmente.

O padrão ouro no rastreamento mamário é a mamografia, cuja realização sequencial vem sendo avaliada em ensaios clínicos randomizados desde a década de 60 e se mostrou efetiva na redução da mortalidade em cerca de 30%. A SBM recomenda rastreamento anual dos 40-74 anos. Após os 70 anos de idade, há poucos dados para conclusões definitivas, sendo recomendado avaliar cada caso individualmente conforme a saúde global e expectativa de vida de cada paciente. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que um programa de rastreamento é eficaz quando atinge 70% da sua população alvo. A cobertura mamográfica no Brasil em 2019 foi em torno de 22% entre as usuárias do Sistema Único de Saúde, número que com a pandemia de COVID-19, ficou ainda menor.

Outros exames de imagem podem ser utilizados no rastreamento ou diagnóstico mamário, especialmente em situações que fogem do habitual. A ressonância magnética de mamas tem uma alta sensibilidade para o diagnóstico de câncer de mama, mas seu rastreamento populacional não impactou na mortalidade. Porém, em mulheres consideradas de alto risco, a ressonância de mama apresenta evidências bem estabelecidas para seu rastreamento como ferramenta complementar. A ultrassonografia de mamas é outro exame que não se mostrou eficaz no rastreamento, provavelmente por apresentar limitações como ser um exame operador dependente e a dificuldade em avaliar microcalcificações. No entanto, é uma ótima opção complementar em situações em que a mamografia não conseguiu fazer uma conclusão final; isso acontece em mulheres com mamas densas, onde a ultrassonografia pode auxiliar na detecção de lesões que não foram vistas no rastreamento. A tomossíntese é uma modalidade de exame que adquire várias imagens da mama em diferentes ângulos formando uma imagem tridimensional, especialmente em mamas densas, e diferenciar sobreposição de tecidos de lesões suspeitas.

Tratamento do Câncer de Mama

O tratamento do câncer de mama é multimodal podendo ser dividido em local e sistêmico. O tratamento local é o cirúrgico e radioterápico enquanto o sistêmico é a quimioterapia neoadjuvante ou adjuvante, a hormonioterapia e imunoterapia/terapia-alvo.

A quimioterapia neoadjuvante tem por objetivo tornar tumores operáveis, converter mastectomias em cirurgias conservadoras, realizar controle de micro metástases, obter informação preditiva e prognóstica do tumor em relação à resposta patológica completa.

A quimioterapia adjuvante é a administração sistêmica de agentes citotóxicos após o tratamento cirúrgico e visa tratar doença micro metastática, retardando a chance de recidiva. Importante, para definir o esquema terapêutico, avaliar o perfil molecular o tumor e o risco do paciente.

As assinaturas genéticas são ferramentas úteis em pacientes com tumores com receptores hormonais positivos e HER 2 negativos. São testes genéticos preditivos que avaliam o tumor de mama e nos ajudam a estratificar o risco de recorrência nas pacientes e ajudar a determinar o benefício da quimioterapia nessas pacientes em que os fatores tumorais e clínicos por si só não sejam suficientes na indicação do tratamento quimioterápico. Os testes mais comuns incluem Oncotype Dx ® (ensaio para classificação de recorrência com avaliação de 21 genes) e Mammaprint ® (assinatura de 70 genes mais indicado em pacientes com alto risco clínico).

O advento do anticorpo monoclonal anti HER2 (trastuzumabe e pertuzumabe) revolucionou o cenário desse subtipo de câncer de mama, melhorando consideravelmente a sobrevida desses pacientes. No cenário dos tumores triplo negativos, a imunoterapia aparece como opção viável de tratamento com ganho de sobrevida livre de doença e sobrevida global. O tratamento quimioterápico do câncer de mama está se atualizando de forma contínua, com inúmeros estudos em andamento, novas drogas sendo testadas, tudo com o mesmo objetivo: um tratamento mais eficaz para as pacientes.

Tumores com expressão dos receptores de estrogênio (RE) e progesterona (RP), se beneficiam do uso de medicamentos cujo objetivo é reduzir os níveis séricos de estrogênio, diminuído assim o risco de recorrência tumoral, risco de morte pelo câncer de mama e risco de câncer de mama contralateral. Seu regime é de 5 anos podendo ser estendido especialmente em pacientes na pré-menopausa. Essa medicação pode ser usada de forma neoadjuvante, adjuvante, profilática e paliativa. Temos 2 grandes grupos: os moduladores eletivos do receptor de estrogênio, cujo principal representante é o tamoxifeno que se liga ao RE de forma antagonista no tecido mamário e agonista no tecido endometrial podendo estimular a proliferação desse tecido, podendo ser usado no pré ou pós-menopausa.

O segundo grupo são os inibidores da aromatase que agem inibindo a conversão periférica de androgênio em estrogênio. Podem ser esteroidais (exemestano) que se ligam de forma irreversível à aromatase ou não esteroidais (anastrozol e letrozol) que se ligam de forma reversível, indicado apenas na pós-menopausa e, para aplicação em paciente pré-menopausa, deve ser usado em associação com supressão ovariana. O uso dessas medicações ocorre predominantemente de forma adjuvante. Na neoadjuvancia estão indicados especialmente em tumores localmente avançados e com receptores hormonais fortemente positivos, principalmente em pacientes com condições clínicas desfavoráveis à quimioterapia ou tratamento cirúrgico, com objetivo de diminuir o tamanho tumoral, conhecido como downstaging. Seu uso profilático é indicado para paciente com alto risco clínico com expectativa de reduzir em até 50% o risco de desenvolver CM.

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